Não é de hoje que essa dança chama minha atenção, quem pesquisa sobre dança indiana logo se depara com esse estilo cheio de energia e que mostra tanto o jeito de ser do seu povo…não o povo indiano num geral, mas o povo Punjab. Irreverente, marrento, criativo e divertido dentre tantas outras qualidades que poderia usar para descrever, essas me vêm à cabeça como uma lembrança muito forte. A lembrança de quem aprendeu, dançou e viveu bhangra no Punjab.

Minha saga com o bhangra começou quando repentinamente recebi uma proposta para trabalhar como bailarina na Índia. Eles precisavam de bailarinas que soubesse dança do ventre, mas que também conseguissem aprender dança indiana rapidamente. Como eu já trabalhava com o bharatanatyam e o Bollywood aqui no Brasil logo achei que essa era uma proposta perfeita para mim. Durante minhas pesquisas sobre a idoneidade da empresa logo descobri que a dança que eu iria aprender seria bhangra, aí tive certeza que o trabalho era para mim, aprender bhangra, ver na raiz como a coisa acontece é bem a minha cara!!! Me fui.

Horas de viagem até Nova Delhi e depois mais muitas horas de caro até Ludhiana onde moraria por 3 meses. Chegamos a noite e no outro dia fomos ver um show da empresa que nos (eu e Sasha minha colega de quarto e de vida no Punjab) contratou, 4 horas de show, diversos artistas e toda a confusão e loucura que pode ter um show desse tipo na Índia. Ao voltar para casa no fim da tarde o primeiro ensaio, foram apenas 4 horas onde aprendi e repeti infinitas vezes passos básicos. Não havia sala de dança, nem espelho nem qualquer estrutura para ensino, muito menos didática de como ensinar…era quem sabe faz quem não sabe tenta copiar e entender o que está acontecendo. Fomos dormir cansadas, mas achando que “até que não foi tão ruim”. Mal sabíamos nós que os próximos dias seriam insanos. Nos dias que se seguiram chegamos a ensaiar 8 horas, agora no nosso quarto pois tinha um espelho enorme e ar-condicionado, o que fez uma baita diferença. Ao final do terceiro dia Sasha e eu mostramos uma sequência que bolamos, virou nossa performance oficial!!! Figurinos foram feitos especialmente para nós e em poucos dias eu e Sasha subimos ao palco no Punjab pela primeira vez com um pedaço de coreografia e muita cara de pau para encarar um público que sabia muito melhor sobre aquilo que nós estávamos fazendo. Apesar de tudo estar contra nós, não foi tão ruim, o publico ficou surpreso e a empresa bem satisfeita que já estávamos conseguindo “nos virar bem”.

A estrutura do show é maios ou menos assim: Nas duas primeiras horas são performances solo ou duplas, alguns cantores e, se tiver, performances com todo o grupo (gidha) que eram mais encenação do que dança mesmo, nessas ultimas a gente assistia algumas vezes depois éramos jogadas no palco com o resto do grupo com a orientação “segue a fulana!”. A segunda parte do show era o “non stop dance” todos os artistas eram divididos em 2 ou 3 grupos e cada grupo ficava de 15 a 20 min dançando sem parar, um grupo de cada vez até o fim da festa, isso poderia levar de 2 a 4 horas. Cada subida ao palco era um figurino diferente, mas o mais legal era poder aprender durante o show. Nessa parte o publico estava na pista de dança em frente ao palco e observa-los ajudava a enriquecer o repertório de passos. No palco muitas vezes os bailarinos mais experientes davam dicas ou até mesmo ensinavam no palco, saber seguir os colegas era essencial.

E falando sobre seguir os colegas agora vou contar um pouco de como de fato aprendi bhangra. Tive vários professores e professoras, do dono da empresa aos colegas bailarinos. Mas Mohamed foi sem duvida o melhor de todos. Cada professor tinha seus passos favoritos e seu jeitinho de usar. Num geral, eles colocavam uma musica e dançavam e nós copiávamos, eles normalmente seguiam a música então quando percebia que a musica ia mudar era só se preparar que o passo também mudaria, só faltava saber qual passo seria. Quando o passo era muito difícil nós solicitávamos que eles parassem a musica e mostrassem o passo devagar para que pudéssemos entender. Mohamed também usava bastante essa técnica, mas quase sempre ele levava um integrante do grupo dele (de meninos, normalmente eles faziam algumas coreografias especiais e depois serviam de “corpo de baile” para os solistas), assim ele conseguia ficar nos observando e corrigindo, o que ajudava muito. Foi ele também que me ensinou a dançar de casal interpretando a musica (mesmo sem saber o que dizia a música). Quando o grupo de meninas estrangeiras já estava mais cheio ele também nos ensinou vários passos para fazer em grupo e em duplas, coisa que lá não consegui usar pois não havia coreografia e nem fluência do grupo todo para fazer de improviso, mas guardei esse conhecimento com muito carinho para usa-lo aqui no Brasil. E foi depois de muitos ensaio, quando todas estávamos já com boa fluência em vários passos que descobri como eles conseguiam dançar igual sem coreografar. Havia um líder, o integrante da primeira fila mais à esquerda (direita de quem assiste) na cena era o líder, ele escolhia os passos e os outros o seguiam, descobri isso quando um dia Mohamed me puxou do fundão, onde eu sempre ficava, para essa posição e disse “-agora dança, e vocês seguem ela”, hoje me parece óbvio, mas durante os shows nunca percebi isso.

Nesse modo de ensinar o processo de aprendizagem não é fácil, precisamos perceber e interiorizar as músicas para só então conseguir dançar. A qualidade dos movimentos também leva mais tempo e o aluno sofre bastante durante todo o processo, mas no fim desenvolvemos uma fluência tão grande que a improvisação é natural, percebi isso preparando minhas aulas e workshops já no Brasil, meses sem dançar bhangra mas para o meu corpo foi como se nunca tivesse parado… Obrigada Mohamed e todos os outros que doaram seu tempo para me ensinar essa dança que eu amo tanto.

Texto por Amelize Mattos